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A Sala de Recursos Multifuncionais do Centro de Educação de Jovens e Adultos - CEJA Ana Vieira Pinheiro é um espaço onde o AEE- Atendimento Educacional Especializado acontece considerando as necessidades específicas do aluno para complementar e/ou suplementar a sua formação, identificando, elaborando e organizando recursos pedagógicos e de acessibilidade que favorecem a inclusão e eliminam as barreiras para a plena participação dos alunos com deficiência, fortalecendo sua autonomia na escola e fora dela.

terça-feira, 12 de março de 2013

Audiodescritor em Foco - Entrevista com Lívia Motta


Lívia Maria Villela de Mello Motta é professora doutora em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela PUC de São Paulo, com parte de seu doutoramento feito na Universidade de Birmingham, Reino Unido. Foi professora e coordenadora de cursos de graduação, extensão e pós-graduação. Trabalha como audiodescritora e professora de cursos de audiodescrição desde 2005, implementando o recurso em peças de teatro, filmes, óperas, espetáculos de dança, eventos sociais, religiosos e acadêmicos. Foi consultora do MEC/UNESCO e criadora do site/blog: VER COM PALAVRAS: www.vercompalavras.com.br e www.vercompalavras.com.br/blog
Organizou junto com Paulo Romeu Filho o primeiro livro brasileiro sobre o tema: AUDIODESCRIÇÃO: TRANSFORMANDO IMAGENS EM PALAVRAS, e os dois Encontros Brasileiros de Audiodescrição.



1 - Como você se tornou audiodescritor? Que importância a audiodescrição tem na sua vida?
Lívia: A audiodescrição foi entrando e ocupando espaço, gradualmente, em minha vida profissional. Hoje, posso dizer que trabalho full time com audiodescrição nos mais diversos gêneros de espetáculos e produtos audiovisuais, além de descrição de livros didáticos e paradidáticos, cursos de preparação de audiodescritores e cursos para professores sobre o uso da audiodescrição na escola como ferramenta pedagógica.
A primeira vez que ouvi falar sobre o recurso foi em 2003, quando estava fazendo parte do meu doutorado na Universidade de Birmingham, no Reino Unido. Ao visitar uma loja do RNIB - Royal National Institute of the Blind, em Londres, chamou minha atenção os vários títulos de filmes com video description; na época, um maior número de vídeos em VHS do que em DVD. Fiquei fascinada, busquei mais informações e comprei um livrinho sobre video description.
É bom lembrar que desde 1999, que eu já trabalhava com pessoas com deficiência visual, ensinando inglês, o que motivou minha entrada no programa de doutorado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem da PUC de São Paulo para pesquisar e desenvolver esse tema: o ensino-aprendizagem de inglês para alunos cegos e com baixa visão na perspectiva da teoria da atividade. Penso que esse contato mais estreito com pessoas com deficiência visual foi essencial para a minha formação em audiodescrição, minha motivação em aprender, em conhecer mais.
De volta ao Brasil, dei início ao estudo sistemático sobre o recurso, principalmente, porque aqui já se começava a falar sobre ele. Fiz minha primeira audiodescrição para minha amiga e na época minha aluna de inglês, Jucilene, que precisava assistir a um filme para um trabalho na faculdade.
Também participava ativamente do Grupo Terra, criado por Isabela Abreu e Ricardo Panelli, grupo que incentivava a inclusão de pessoas com deficiência visual pelo contato com a natureza, no qual percebíamos, a cada dia, a importância da descrição e incentivávamos sua prática. Desenvolvemos, eu e Isabela, em 2005, um projeto para o Instituto Vivo, de inclusão cultural para o Teatro Vivo, que já dispunha de aparelhos de tradução simultânea, o qual foi o embrião de um grande projeto de acessibilidade cultural que durante 6 anos implementou, sistematicamente, ações de acessibilidade comunicacional no Teatro Vivo, principalmente, e em muitas outras cidades e estados brasileiros. Uma oportunidade fantástica de crescer como audiodescritora, de fazer a audiodescrição de muitas e muitas peças de teatro, filmes e óperas, muitas óperas. E poder aproximar as pessoas com deficiência visual das artes cênicas, do mundo dos espetáculos, tornar a audiodescrição conhecida de muitos.
Tenho estudado e trabalhado com os mais diversos gêneros de espetáculos e produtos audiovisuais, e pretendo desenvolver, em breve, meu projeto de pós-doutorado sobre a audiodescrição em espetáculos de dança.
 
 
2 – Na sua opinião, o que a AD representa para seus usuários? O que pode provocar na vida dessas pessoas?
Lívia: Eu sempre digo que a audiodescrição é a arte de transformar imagens em palavras, o que abre muitas janelas de mundo e para o mundo para as pessoas com deficiência visual. O recurso permite o acesso à cultura e à informação em igualdade de oportunidades. É assistir e poder entender, discutir, conversar a respeito, criticar, apreciar o produto audiovisual. A grande maioria das pessoas com deficiência visual não assiste a filmes, peças ou outros espetáculos com frequência, principalmente, pela falta de acessibilidade. Ir a uma peça de teatro ou a outro espetáculo e sair de lá com a incômoda sensação de incompletude, acaba afastando a grande maioria.
A audiodescrição traz inúmeros benefícios para os seus usuários, além da inclusão cultural, social e escolar, e a proximidade com as artes, é um instrumento que desperta a curiosidade para determinados temas, a vontade de estudar, pesquisar, conhecer mais; permitindo que o indivíduo estabeleça e construa ligações, contribuindo, dessa forma, para o processo de aprendizagem. Quanto mais as pessoas com deficiência participarem das atividades sociais, escolares e culturais em igualdade de oportunidades ou seja, com acessibilidade, mais poderão se inserir na sociedade como cidadãs. 
Tenho percebido que quando as pessoas com deficiência visual experimentam assistir a um espetáculo ou a um produto audiovisual com audiodescrição, elas já não querem mais ficar sem o recurso. Percebem a riqueza de informações, os muitos significados que estão presentes nas imagens, nos cenários, nos figurinos, na iluminação, no deslocamento da câmera, na troca de olhares sem palavras.
 
 
3 – Quais as maiores dificuldades e quais as maiores alegrias em ser audiodescritor?
Lívia: A maior alegria para mim é poder perceber a emoção que vem pelas palavras. Repito aqui o que eu disse na abertura do 2º Encontro Nacional de Audiodescrição, realizado em Juiz de Fora, em dezembro de 2012: Para um audiodescritor, não tem coisa melhor do que poder ouvir as risadas conjuntas da plateia se deliciando com determinadas cenas ou observar as faces emocionadas, alguma lágrima teimosa que escorre pelo canto do olho do espectador. É nesse momento que entendemos o poder das palavras que traduzem a beleza ou a rudeza das imagens, a sutileza das expressões fisionômicas, do gestual e de tantos outros detalhes. É nesse momento também que percebemos a nossa responsabilidade como profissionais da audiodescrição.
As dificuldades que encontramos referem-se, muitas vezes, ao pouco conhecimento sobre as especificidades da audiodescrição por quem contrata o serviço ou pelas empresas de locação de equipamentos. Mesmo com o cuidado de informar, passar detalhes importantes antes dos eventos, ainda nos deparamos com algumas situações que acabam interferindo na qualidade do trabalho.
 
 
4 - Você concorda com a ideia de que a AD, mais do que informar, deve proporcionar que o usuário usufrua e sinta as sensações do que é descrito? Você acredita que a audiodescrição além de um recurso de acessibilidade seja também uma produção cultural?
Lívia: Sem dúvida, a audiodescrição é um instrumento que possibilita a experiência estética, a fruição da arte e, para isso, é necessário que o texto descritivo esteja em harmonia com a obra, com o gênero, usando a terminologia adequada. Cada produto, seja ele uma exposição, peça, filme ou evento, exige do audiodescritor, estudo e pesquisa, um verdadeiro mergulho, que permita um conhecimento profundo da obra.
5 – O mundo está cada vez mais visual, e se levarmos em conta que a visualidade é a matéria-prima da audiodescrição, ainda há muito a ser explorado nesse campo. Junto a isso, temos a ampliação e difusão dos produtos e políticas culturais para acessibilidade por parte dos governos e da sociedade civil. Diante desse cenário, quais desafios você acha que devem ser enfrentados para expandir a audiodescrição, tanto em quantidade como em qualidade?
Muito já caminhamos, considerando que a audiodescrição é uma prática nova no Brasil, com apenas 10 anos da primeira apresentação com o recurso. Já foram muitos e muitos filmes, peças de teatro, óperas, congressos, seminários, exposições, espetáculos de dança, missas, eventos sociais tais como casamentos, chá de bebê, exame de ultrassom e até um parto, tudo isso com audiodescrição, formando uma plateia nova, de espectadores cada vez mais ávidos por produtos acessíveis. Mas, ainda precisamos de políticas públicas que determinem a obrigatoriedade do uso do recurso em teatros e outros espaços culturais, além da ampliação do número de horas na televisão. E outro aspecto importante para garantir a qualidade da audiodescrição brasileira, refere-se à formação dos audiodescritores: que sejam implementados cursos de longa duração, de pós-graduação, de aperfeiçoamento, e não somente cursos de extensão, como os que têm sido oferecidos até hoje, e que não são suficientes para a formação efetiva de audiodescritores.
 
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Entrevista: Felipe Mianes
fonte: http://arteficienciavisual.blogspot.com.br/2013/01/audiodescritor-em-foco-entrevista-com_22.html

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