Na impossibilidade de prestar homenagens azuis aos autistas no dia 02 de abril no blog, faço-a agora com o texto do Dr. Jorge Mário.
AUTISMO – TODOS PODEMOS SER/NOS TORNAR UM POUCO AZUIS?
Imagem publicada – uma
rosa azul, apenas uma rosa, considerada diferente, única, singular e
"artificial", que não é como todas as
outras rosas, apenas diferenciada pela sua cor, com um fundo verde das
plantas consideradas "normais", porém que também poderão um dia se
tornarem azuis... Uma
rosa como a da minha Parábola da Rosa AZUL, imersa e escondida dentro de
um
outro mar de rosas... vermelhas, que chamamos: a Vida.
O FIO VERMELHO QUE PODE SE TRANSFORMAR EM AZUL
"O mito diz que os
deuses prendem um fio vermelho no tornozelo de cada um de nós e o conectam a
todas as pessoas cujas vidas estamos destinados a tocar. Esse fio pode esticar
ou emaranhar-se, mas nunca irá partir."
O texto acima é parte de uma
lenda chinesa Segundo essa lenda, que versa sobre o Destino, somos todos
conectados por um fio vermelho, amarrado ao tornozelo, àquela pessoa a qual
estamos destinados: nossa “alma gêmea” ou “par ideal”.
E, para as pessoas com
diferenças notáveis tenho a certeza de que necessitamos do Outro, também
diferente e diverso, que o/nos re-conheça e a ele se conecte afetiva e
afetuosamente. Há, a partir dessa visão da lenda, acontecimentos que não
podemos pré-determinar, porém há acontecimentos que nos pré-determinam.
Estava pensando e refletindo
sobre o que escrever. Então, aparece, há alguns dias atrás, em um programa da
TV o Kiefer Sutherland. A sua presença
me chama a atenção para o programa de Jonathan Ross Show. Porém os poucos minutos
da entrevista que vejo me levam ao tema que pensava. Ele fala da série que
aborda o Autismo: TOUCH.
Touch é uma série televisiva
que foi apresentada na Fox. É a história de um menino autista e seu pai (Kiefer
Sutherland). A série foi apresentada no
ano passado. O menino, em seu autismo, tem a capacidade de ver o passado e
prever o futuro, porém como autista não consegue usar nossas formas de
comunicação.
Na trama desse seriado está
o fio vermelho. No centro da cena está Martin Bohm (Kiefer Sutherland), viúvo e
pai solteiro, martirizado pela impossibilidade de se comunicar com Jake (David
Mazouz), seu filho autista, de onze anos.
Ele precisa de números para
se expressar. Precisa de uma matemática única e singular. Na história criada o
pai muda seu comportamento quando descobre que Jake possui um incrível e
especial dom para ver coisas e padrões que ninguém mais consegue.
Nas nossas vidas, no mundo
real muitas vezes esta estória virou história...
Foi aí que o filme sobre Temple Grandin me
retorna com sua forma de construção do pensamento através de imagens, assim
como as incompreensões que teve de vencer. Há muito cinema e muitos filmes ou
documentários sobre os autismos...
Como ela que é uma singular
história real, o ficcional menino Jake nos diz da importância de deixar-se
tocar muito mais do que achar que devemos tocá-los. Uma máquina do abraço como
a de Grandin, pode vir a ser mais confortável do que uma aproximação física
forçada por nós.
Ao buscar essa série
encontrei o meu fio da meada. O fio azul que me ligou longo tempo à questão e
experiência do autismo. É preciso ser tocado, ser afetado pelo mundo diferente
de uma pessoa com autismo. E o meu tornozelo, primeiro médico e depois
humanizado foi sendo amarrado às interrogações sobre o que chamo, no plural, de
nossos autismos.
As interrogações se misturam
às minhas vivências, que já escrevi sobre elas em tempos remotos de minha
prática clínica. Há, porém, interrogações que nascem de novos conhecimentos e
novos conceitos. Já disse que precisamos dos novos paradigmas para quebrar e
romper com nossos pré-conceitos que se enraízam.
O DIA MUNDIAL DE CONSCIENTIZAÇÃO SOBRE O AUTISMO é hoje uma data consagrada. Hora de pintar o mundo e nossas ideias e,
principalmente, nossas ações de AZUL.
É uma boa oportunidade para desmitificar os
milhares de preconceitos que foram construídos sobre quem vive com este
transtorno, ou melhor, essa “neurodiversidade” afetivo-comportamental.
Sim, a compreensão do novo
conceito de Diversidade junto com a necessidade do respeito às singularidades e
diferenças é que, hoje, pode nos ajudar a desestigmatizar todos os comportamentos
e “doenças” ligados ou decorrentes das noções, políticas e científicas, de
“cérebro” e “mente”.
As neurociências vêm
ganhando terreno na construção de um novo determinismo: o cerebral. E, a
partir, deste estão surgindo as resistências a ver em um sujeito com autismo
apenas uma condição neurobiológicamente determinada.
Os próprios autistas de alto
desempenho, chamados “aspies” vêm, desde 1999,afirmando que todos os cérebros,
independentemente de suas limitações, são belos. Para eles não há somente
cérebros “normais”.
Ficam muito próximos do que reivindicaram as pessoas com deficiência com os Estudos Culturais sobre as Deficiências com a criação do chamado modelo social há muitos antes. Vejam aí a construção da semente do chamado “orgulho autista”.
Ficam muito próximos do que reivindicaram as pessoas com deficiência com os Estudos Culturais sobre as Deficiências com a criação do chamado modelo social há muitos antes. Vejam aí a construção da semente do chamado “orgulho autista”.
Os que defendem essa posição
desestigmatizadora, que rompe com a modelização biomédica e neurológica, dizem
que as neurodiversidades, nas quais se incluiriam os autismos, constituem
formas diferenciadas de cada sujeito de revelação de suas capacidades,
incapacidades e funcionalidades, principalmente as cognitivas.
Estes defensores se
esforçariam para que possamos “re-conceituar” os autismos, saindo da noção já
consagrada dos Transtornos Invasivos do Desenvolvimento e do espectro autista. Eles
têm um movimento mundial que tem por principais objetivos:
1 - Reconhecer que as pessoas com
neurodiversidade não são “doentes”,
portanto não necessitam de uma “cura”;
2 - Portanto, as terminologias médicas e
nomenclaturas de “distúrbio, transtorno e/ou doença”, principalmente com a
ideia comum de gravidade e isolamento
total, devam ser modificadas;
3 - Com
essa ruptura dos termos e conceitos afirmarem, como já foi feito pelas pessoas
com deficiência, o direito ao reconhecimento de novos tipos de autonomia, o
direito à Vida independente;
4 - Apoiados
nessa mudança de paradigmas, já incluída em novos marcos legais como a Convenção
sobre os Direitos das Pessoas Com Deficiências, passarem ativamente a
participar do controle, com apoio dos familiares e da sociedade, das formas de
tratamento a que querem e devem ser submetidos, inclusive qual será a sua
duração.
Hoje temos a notícia de uma
primeira iniciativa internacional de afirmação dessas neurodiversidades apoiadas
na/pela Convenção. Um jovem com Asperger no México reivindica o seu direito a
não ser tutelado e questionou junto á Suprema Corte a constitucionalidade da
lei que o considera um incapaz. Ele não quer, como muitos outros Ricardos ou
Marias, para além do México, serem mantidos e considerados como “menores de
idade”, portanto tuteláveis.
Então, utilizando esse conceito
de “neurodiversidade” é que interrogo no título deste texto homenagem sobre a
possibilidade de todos nós também estarmos tão AZUIS como aqueles que
pretendemos diagnosticar, tratar ou limitar como autistas.
Há em todos nós também o
“fio azul” que nos aproxima de nossas próprias formas de isolamento,
incomunicabilidade, dissociação da chamada realidade, e, em seu extremo, de
nossas próprias e singulares “loucuras”.
Há quem se utiliza dessa
afirmação para falar de um novo movimento anti-psiquiátrico nos subterrâneos
dos que defendem as neurodiversidades. Há, porém, que datar e contextualizar
essa tentativa de um outro olhar, uma outra escuta sensível e um outro modo de
se deixar “tocar’’ pelo fio vermelho do tema Autismos. Novos tempos, novos
conceitos contra velhos preconceitos.
Os tempos atuais, que
denomino “pastoriais”, têm trazido para o debate as retomadas que buscam o
conservadorismo nas práticas e nas ciências. Estamos em tempos de enfrentamento
dos que acreditam que os hospitais, as internações, as clínicas especializadas
são as únicas formas de tecnologias do cuidado e atenção para com os autistas,
assim como para com outros que possam estar nesses campos de intervenção
médico-reabilitadora.
Aprendi há muitos anos atrás
como é provocador de emoções o contato, o convívio e a vivência de um sujeito
com autismo. Experimentem os que apenas nos viram os filmes ou leram acerca dessa
proximidade tão contagiante...
Portanto, mesmo que em mim
persista o conhecimento científico e os muitos anos que foram dedicados à
Medicina, ainda devo tentar ir além da visão que reduz os autismos e aos seus
diversos sujeitos à condição de uma síndrome. Tenho o dever ético e bioético de
buscar essa nova compreensão e diálogo com o movimento de defesa dos direitos
das pessoas com autismo.
O seu “orgulho” nos fará ir mais
uma vez em direção aos Estudos sobre Deficiências, e na minha humilde visão ir
além do que os nossos conhecimentos padronizados que nos afirmam e garantem. Um
sujeito com autismo não é apenas peça da ficção dos diversos filmes já
realizados sobre o tema. Uma pessoa com autismo é também um UNIVERSO que no
DIVERSO afirma que nossos fios continuam emaranhados.
E hoje é apenas um dos
muitos dias que teremos de alinhavar com fios azuis novos laços sociais em prol
da sua singularização, autonomia, diversidade e, mais ainda, dos seus direitos
humanos e sua inclusão em todos os espaços, como as escolas regulares, e outros
bens sociais.
E o laço azul se entrelaçará, definitiva e
vivamente, com o nosso fio vermelho...
Copyright/left
– jorgemarciopereiradeandrade 2013-2014 (favor citar o autor e as fontes em
republicações livres pela Internet e outros meios de comunicação de massa)
FONTES
E INDICAÇÕES PARA LEITURA NA INTERNET-
O
sujeito cerebral e o movimento da neurodiversidade Francisco Ortega http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-93132008000200008
Neuro
diversity
Neurociências:
na trilha de uma abordagem interdisciplinar
INDICAÇÕES
PARA LEITURA E CRÍTICA –
Deficiência,
Direitos Humanos e Justiça – Debora Diniz, Lívia Barbosa & Wenderson Rufino
dos Santos – SUR - http://www.surjournal.org/conteudos/getArtigo11.php?artigo=11,artigo_03.htm
Caponi S, Verdi M, Brzozowski FS, Hellmann F,
organizadores. Medicalização da Vida:
Ética, Saúde Pública e Indústria Farmacêutica. 1ª Edição. Palhoça: Editora
Unisul; 2010.
PARA VISITAR, NAVEGAR, ASSISTIR E REFLETIR –
Baixar
- TEMPLE GRANDIN - DVDRIP - RMVB LEGENDADO http://www.omelhordatelona.biz/genero/drama/1002-temple-grandin.html
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